segunda-feira, 12 de março de 2007

Tudo é jazz


Dentro de minha xícara branca tem café e muito jazz. Sem creme, por favor, puro. Café e jazz no chão do quarto deitado no tapete cor de vinho com pêlos e poeira. Alguém saltita as teclas do piano bem de leve. Uma linha conducente triste dança na Maria Gorda, o contrabaixo acústico que tem o timbre do ressonar noturno.

Pegaram uma torneira velha molhada e sopraram pra desenferrujar. Assim deve ter surgido o trompete, o mais chorão de toda a banda. Estrela, brilha muito mais quando sola, não nasceu pra harmonizar. Ascendo o charuto e rego três gelos com uma dose de whisky que acompanha sem ladrar o gosto seco desta solidão que canto, deste submundo erudito e viciante. O jazz me possui sempre começando por uma xícara de café.

Mais café? Não, um capuccino. Puro? Com bolero e blues. Bolero em falta, blues acabou. Sobrou o velho rock’n rol. Serve? Não. Troca por uma dose de conhaque da década de 20, sem nada pra acompanhar.

Ascendo as luzes. No bar a negra gorda desafiando a memória a visitar velhos bistrôs. Poderia inventar centenas de bistrôs, poderia até sonhar com um bistrô especial. Esta história não é um relato, não é um conto. É um improviso. Uma vontade de dançar sem roupa do lado de fora de um chalé numa montanha.

Cigarros, por favor. Qual sabor? Algum que lembre infância com bicicleta azul, homens com bigodes e mulheres de vestidos floridos. Varejo? Um maço. Se importa de ir para o “não-fumantes”? Não precisa, eu não fumo. O cigarro é apenas pra compor a nostalgia.

Uma garrafa e meia de café. Vinis, fitas e naftalinas. Algum delírio e alguém tocando saxofone. O improviso surgiu de um piano, por que não acabar em uma folha de papel?

Mais café, por favor! E como prefere? Só café. Puro? Com creme? Whisky? Sei lá, inventa, improvisa, se vira... play jazz!

Andarilho, 10-09-2004

Um comentário:

BabyHora disse...

Muito lindo isso. Uma felicidade encontrar e ler.Baby...quando a gente ama...