segunda-feira, 12 de março de 2007

Terra, mãe de folhas e de seiva



Estou deitado há alguns dias entre folhas secas ao relento. As folhas como penas encantando o outono da minha pele em lisa finura branca. Sentindo as mesmas folhas embaixo dos braços faço um juntamento em travesseirinho confortável para os cotovelos apoiarem em parte um queixo deitado. Recosto a cabeça pensativa sentindo a umidade do chão de terra com folhas. Sinto saudades agora do veio que vinha da terra direto para dentro dos meus braços, nas veias verdadeiras. Nos caminhos que entravam a terra no corpo da minha alma vinha sempre uma seiva que fazia lamber as entranhas. Limpava o que havia de mais grosso no sangue latente.

Bate então uma saudade tranqüila de todo o tempo em que eu vivia como plantado entre sementes, raízes e flores. Era como princípio, sem intenção de semente, sem vontade de fruto. Era então início, como que primogênito da mãe primeira da semeadura. E sentia ser então algo que veio para permanecer, como no todo, sendo por cima como um céu azul. Nascia então como pessoa que viveria como árvore. Fincaria tronco na moradia do eterno, coloriria com folhas o chão da terra, amansaria calores com sombra de copa larga. Tanta seiva, tanta sombra, tanto sempre no nunca sair deste meu lugar plantado. Ser sempre é sempre querer o só. Ser só é ter talento para consumir o tempo durante o longo estar. Estando, eu quis ser sempre. Sempre eu tenho sido. Escolha sem raiz visível de intrínsecas veias sedentas. Sou terra-filho, e me sinto água. Insisto tanto que permaneço.

Tenho vontade de florescer no hoje. O hoje, neste entanto, não encontro. Vivo um amanhã tão permanente que constantemente amanheço em algum ontem. Os sentidos permanecem sem astúcia quando nesta vida alguém resolve apenas permanecer. Ficam por verdade leves e sem compromisso em sentir goles da realidade. São as anestesias mais doces. São os beijos de afagos que qualquer vida atemporal oferta.

06 de outubro de 2006

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