Andarilho - crônicas de um louco errante

Andarilhos do asfalto

Tudo começa em um ponto cúmplice da caminhada de quem está sempre a andar: não se ter para onde ir. Quem caminha com rumo decidido não anda nem busca, apenas chega. Ofício de andarilho é trilhar os labirintos visitados sem preocupar-se com os sinais ainda não adivinhados. A ordem é iniciar em direção aleatória e abusar de excessos. Simples como mirar pássaros no céu: eles estão sempre a voar desesperadamente desenhando rotas, criando caminhos. Duvido que caminhando eu ultrapasse algum excesso de velocidade. Duvido que voando eu me preocuparia com isso.

Andar é visto de pouso no mundo para quem vive, condição de eterna busca por resvalos de quem não se sacia do pôr-do-sol e ama beijar a lua despida do manto da noite. Este é o início de uma travessia, do meu desafio que é caminhar. A entrega total do desafio se encontra no não pertencimento que se é necessário para ser livre de dependências. O que redunda se confirma, se não for tautologia.

Buscar o que pareça estar desenvolvendo a vontade de ser livre, situação propícia para cultivo de orquídeas no jardim do mundo. Orquídea é flor delicada, que vale mais a dedicação ao cultivo que o apreciar a beleza da flor. É resvalo cavado, trabalho truncado para aprender ofício de cultivar vida. Não que a beleza não sirva, é o que enaltece, é o fruto do cultivo bem feito.

Posso aspirar perfumes de rosas, cidades, montanhas, casebres desabrigados ou manteiga que derrete no quente do pão. Degustar sabores em cozinhas requintadas, bolos caseiros, beijos roubados. Desprender-me da cidade, do país e do mundo. Ser cosmopolita por profissão em busca de transcender a essência da própria vida de andarilho. O limite ou ponto de partida vive apenas no que eu quero.

Pretendo por início caminhar voando sobre asfaltos, buscando orquídeas pro meu jardim em buracos e becos. Traçando minha travessia nas palavras dos meus textos, sendo assistido por vocês.

Andarilho, 17-08-2004