segunda-feira, 12 de março de 2007

Tiradentes: Cidade-Mito


As energias destas ruas empedradas e irregulares cansam meus pés e pernas como outras poucas. Quanta energia suada. Quanta energia açoitada no batente embaixo de sol a pique, de pedra ao lombo, de poder e ouro. Muitos, porém poucos, dizem-se escondidos por uma grande ambição. Sou incapaz de enxergar apenas este adjetivo que se avoluma em fortes e é tão ralo em fracos. Mas não consigo deixar de ver pequenas vontades, que independentes de tantos homens, avulsos de tanto suor, superiores a tanto capricho, tornam-se insuficientes perante tamanha vaidade.

Só me permito vislumbrar o desenho da vaidade destes senhores no delírio do irreal. Lá a minha vaidade pode também delirar. Com tantas pedras e tantos homens eu faria lamber cada pedra até reluzir em curvas brilhos sem arestas. De pedra seriam os postes. Ao menos um grande teatro de arena eu faria no centro desta cidade. Obrigaria clérigos a criarem rituais cotidianos em devoção a mim. Cada família haveria de criar ao menos um músico real para minha orquestra! E minha doença seria disseminada sob os títulos de ambição e desenvolvimento.

Pois pedras com suor e sangue são também vaidosas. Pisadas por todos e apropriadas por nenhum. Sempre ali. A mercê, porém estáticas. Juntam e rejuntam rastros de pisantes reais com suor do povo, da plebe, da mendicância. Essa é minha devoção às pedras. Aí reside a história do povo que gerou esta Cidade-Mito: nas pedras...


Andarilho, 25-08-2004

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