domingo, 18 de março de 2007




Minha morada é o sempre

Viver vagando é vocação para seres que vivem de pé assim como viver proseando é para os que vivem pelas letras. Vagar sem rumo é barco à vela no mar do sertão, prosear com pressa, pegar trem no ponto de ônibus. Ter moradia é quase controverso à intenção do abrigo, porém causa conforto e esquenta os pés. Achar cumplicidade com os cantos do lar, afinidade com os pêlos do tapete da sala e calçar chinelos felpudos quando inverno, de frente para a lareira. Pronto. Fundei meu lar. Ele fica longe.

Nas prosas dos botecos eu fundamentei as jornadas noturnas. Tombos. Resvalos. Rasurar é embriagar os dedos do poeta ou embaraçar os pés da bailarina. O tango é um grande desafio. Guimarães é por si um abismo quase inteiro. Os guetos, os becos, os bistrôs, os cabarés. Silêncio é, depois da música, a partitura mais completa das emoções inenarráveis. O jazz é um jeito de entender as estripulias dos dias. As locações descritas são minha pausa de mil compassos.

Eu sobrevivia na janela de um condomínio. Hoje pernoito festas na manção dos vagabundos virtuais. Simples, minha casa não permite muros, anda ordenando espaços vastos. Em verdade, o meu lar é lá bem fundo.

Os ontens foram muito freqüentados por gatos, moças, velhos. Re-visitei tantos hojes que o diário virou história. Meu amanhã cambaleia torpe. As palavras andam proseando ausência. As pernas não duvidam. Minha morada, no pois do então, se fincou ali. No sempre.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Resguardado



Resguardado. Guardado nos cantos interiores. Abrigado do que por fora espreita. Revelado em negativo a tudo o que vislumbro como afim a mim. Entre tantos estou. Estou muito. Estou só. Viver é. Assim deve.

É um certo direito eu decidir não querer o pensar em todo instante, providência ou circunstância. Tudo, porém, requer pensamentos. Tudo então é sempre agora. A revolução desses instantes está no íntimo que gerou o agora para o depois sendo o futuro já para trás de tudo. É movimento tanto para mim que permaneço.

Estou. Estado de estadia do corpo parado com a alma conservada quase inerte. O conservatório do tumulto de dentro é o espelho da loucura de fora. Voltarei os olhos então para onde devem mirar. Olhando para dentro é sinal da hora do adormecer. Apenas com os sentidos dormentes é possível sentir o que há no inefável. Lá buscarei verões e brisas entre a noite e o amanhecer. Nos dias de dentro eu vislumbro o desequilíbrio do mundo.

10 de novembro de 2006

Terra, mãe de folhas e de seiva



Estou deitado há alguns dias entre folhas secas ao relento. As folhas como penas encantando o outono da minha pele em lisa finura branca. Sentindo as mesmas folhas embaixo dos braços faço um juntamento em travesseirinho confortável para os cotovelos apoiarem em parte um queixo deitado. Recosto a cabeça pensativa sentindo a umidade do chão de terra com folhas. Sinto saudades agora do veio que vinha da terra direto para dentro dos meus braços, nas veias verdadeiras. Nos caminhos que entravam a terra no corpo da minha alma vinha sempre uma seiva que fazia lamber as entranhas. Limpava o que havia de mais grosso no sangue latente.

Bate então uma saudade tranqüila de todo o tempo em que eu vivia como plantado entre sementes, raízes e flores. Era como princípio, sem intenção de semente, sem vontade de fruto. Era então início, como que primogênito da mãe primeira da semeadura. E sentia ser então algo que veio para permanecer, como no todo, sendo por cima como um céu azul. Nascia então como pessoa que viveria como árvore. Fincaria tronco na moradia do eterno, coloriria com folhas o chão da terra, amansaria calores com sombra de copa larga. Tanta seiva, tanta sombra, tanto sempre no nunca sair deste meu lugar plantado. Ser sempre é sempre querer o só. Ser só é ter talento para consumir o tempo durante o longo estar. Estando, eu quis ser sempre. Sempre eu tenho sido. Escolha sem raiz visível de intrínsecas veias sedentas. Sou terra-filho, e me sinto água. Insisto tanto que permaneço.

Tenho vontade de florescer no hoje. O hoje, neste entanto, não encontro. Vivo um amanhã tão permanente que constantemente amanheço em algum ontem. Os sentidos permanecem sem astúcia quando nesta vida alguém resolve apenas permanecer. Ficam por verdade leves e sem compromisso em sentir goles da realidade. São as anestesias mais doces. São os beijos de afagos que qualquer vida atemporal oferta.

06 de outubro de 2006

Rotas e ciclos da vida

De rododentros e de ciclos renascem os dias, todos os dias. Das voltas da vida o que vem de dentro e por fora remodela todos os olhos e os outros olhares. Perspectivar as possibilidades no sentido de amplitude é rumar para o sempre estar. Alea jacta est – do latim, a sorte está lançada. Vivem bem com a sorte as mentes de bom preparo. Afinal, quando renascem dias pessoas se renovam por todo o interior.

Em recalques de alma alheia com rodeios de amiga, encontrando sutis fraturas vislumbrei reinos onde domino governo sem tirania. Tive percorrido todo um rumo desenfreado de idéias, aprendizados, experiências e resvalos para tropeçar neste gênero maluco de análise.

Este andarilho anda pra cá de normal. Pra cá do dentro do peito anda normalizando as sensações, as entradas que o mundo dá pelos olhos. São desenhos dos dias onde pinto aquarelas com estes amigos que governo. Li que reis sensatos só cobram o que seus súditos podem oferecer, as responsabilidades devem ser medidas de acordo com cor, cheiro, vontade e sonhos. Por aprender isto virei súdito dos meus súditos, meu reinado se estende em ser subjugado por aqueles que escolho.

Minha máquina administrativa sofre do melhor tipo de inchaço possível. Anda entupida de falta de horários compatíveis, verba disponível. Escolhi nome para apenas um cargo, nomeei “amigos”. Sofro da alegria do excesso deles. Eles todos entram nas rotas, nos ciclos da minha vida.

18 de agosto de 2006

De amigos e de túnel



É que nos vãos salientaram vidas corridas a galopes incertos rumando os escuros e beirando os desertos aonde as almas não vão nunca. Desesperaram os pés em busca de britas dorminhocas no escurinho molhado do túnel dos amigos. Luzes de cá e de lá. Entre elas, eles (e ela).

Em sábado de manhã concluíram idéia desenhada em sexta à noite. Levantaram frios por baixo dos calores acobertados por edredons quentes. No pré-inverno a preguiça mostra as feições com manha de gatos, faceirices no outono. Acompanhada conseqüentemente pelo abraço das camas e o gélido do frio ar que boceja as janelas e vasculantes, a preguiça esteve. Houve mesmo assim de cumprirem o fato combinado: levantar e rumar caminho de trem. Agasalharam pés, corpos e garrafas de água. Entocaram cabeças e deram laços nos pescoços com cachecóis. Pisaram o fora e este se fez ao abrir o mundo para todos.

Passos, pés, pedras, paus. Dormentes dispostos depois de dezoito dedos. Sem jeito de ser, vendo frases dispostas em iniciais de pês e dês, o sol espiou entre as nuvens do céu. Na verdade, concluo meu achar achando que ele veio mesmo foi ver o trem. Este passou por nós três vezes tremendo trilhos tiritantes. Assomou na gente: medos, tremores, alegrias, sons, saudades...

Andando sempre de dor em dor, assim, em dormentes, chegamos até o beco da boca da casa do trem: “o túnel”. Sombra pura. Breu escuro. Fim de mundo, início do imaginário dos quatro. Muito medo. Muito sonho. Hollywood: foi como cinema! Gritos, sussurros, um único entrar de luz do céu no jardim-de-inverno erguido pelo vandalismo natural das intempéries: uma janela aberta do teto para cima vazando cascata de sol para dentro do escuro.

Atravessamos o túnel. Quase desistimos de concluir a missão. No repente do absoluto, na destreza do destino, ali, neste quase entre o agora e o quase-já, a decisão formou conteúdo no clima do pra-sempre do momento. E então, depois da lembrança do impulso de ir por vãos salientes da boca até o gargalo, nós simplesmente cruzamos o túnel de volta.

Em minha família tem muita gente que atravessa túnel (e atravessam de volta). “Viver nem é muito perigoso”. Nós, que vivemos no sertão de Guimarães descobrimos o intento deste real ditado cruzando túnel.

dia 30 de junho de 2006

Chuva de letras



Será que de repente eu sei o acontecimento que faz das palavras quase um rio? O meu problema no de repente é que ele basta na memória como um quase: o menos do necessário para ganhar fortitude de transcender.

De repente eu sei nadar sem correntezas, porém com forças de frases. De repente não. Curtas. Grossas. Quase óbvias. Porém tenramente necessárias. As frases são como água: dependendo de estado e recipiente são voláteis, imutáveis, porém fluidas.

As gotas das palavras não encharcaram ainda dois terços deste pote que contém os dois primeiros parágrafos. Ambos voláteis, porém imutáveis. Sendo o recipiente sequer uma folha de papel. Bastam à memória os quases como pingos de chuva: vindos de lugar invisível, indo para lugar inimaginável, porém caindo sempre.

Plim. Quatro gotas de letras que formam mal e quase um barulhinho. E o que causam é ainda maior do que o que são. Água tem disso, é igual palavra: causa sempre algo maior do que realmente parece.

Palavra é enchente de versos na enxurrada das crônicas formando lagos baldios, torrentes molhadas, chuvas de verão, tormentas. Por fim, tudo uma hora seca. Sobram palavras ao vento.

dia 02 de junho de 2006

O poeta tem olhar



O poeta está precisando de sutilezas para o olhar. Uns olhos minguados com alguma aspereza de vida assentaram lá no fundo por debaixo da íris e há algumas horas balançam lentamente a cabeça cabisbaixa para lado e para outro. Descordam do que há ali, logo na frente. Pasmado ao palmo de distância do necessário para ver o ali quase da verdade.

O poeta precisa querer rumos brincantes para os minutos que vêm a seguir da aurora. Faz um desanimado acordar todos os dias chorando saudade da meia madrugada por onde vivia e transbordava a alma de leituras, escritos, músicas ouvidas, filmes para dentro vistos. Repassava o sabor da névoa com o perfume das damas-da-noite em histórias criadas para pensar em vampiros e anjos.

O poeta precisa de algo mais do que o que tem. Infelizmente até ele segue esta sina de carregar o fardo da insatisfação. Está todo cansado do que possui. Está exausto do que pensou que é. Só se sabe poeta para as palavras que possui, pois haja visto as que não tem jamais há de. Não se preocupa com isto. Suas palavras são o dicionário que lhe narra.

O poeta anda precisado de palavras no olho. Do jeito de dizer sentido que havia antes do foco da retina. Do jeito bandido de roubar a palavra antes da boca dizer. Do desejo de adivinhar os desejos que adivinhava sempre quando cúmplice sincero. Continua curando saudade com abraço de lápis em corpo de letra em casa de papel.

O poeta quer abraços gentis ao olho ingênuo. Afagos de amantes à tempera de homem. Delírios suados nos corpos que derretem. O poeta quer o querer a ele e bem e muito. O poeta quer, o poeta precisa.

O poeta quer crer que alguém além dele, de todo o jeito e com toda certeza, acredita. Perdido anda pelas crenças. Não quer mais contar com a chegada de gnomos. O poeta está precisando de sutilezas.

12 de maio de 2006

Loucos de pedra, loucos de rio



Surgiu nas entranhas um calafrio de demência percorrido pelas austeras avaliações severas de temperamento e conduta conduzidas por pessoas severas de atitudes austeras e temperamento ruim. Eclodiu o movimento de alucinados gritando bordões de canções roucas com vozes loucas dentro das cidades. Barbacena derramou.

Sortidos, os desvairados improvisaram sorrisos e fixaram nos rostos despojando alegria inerte, incoerente, enquanto sempre sorrida. Pulularam as ruas de saltos, as telas de quadros, as cordas de sons, as praças de coretos, os lugares de vida.

Substituíram. Tudo. Tudo. Tudo mesmo. Lâmpadas por vaga-lumes ébrios-brincantes-incandescentes. Nuvens por vapores esfumaçados, vulga neblina. Vazio inócuo por danças valsantes e ruas pisadas. Trilhos por palcos. Trânsito por loucos por arte.

Na terra das beiragens do Rio das Mortes, pescaram vida os “doidos por arte”. Loucos de pedra, esses loucos do rio. Tamanho delírio foi paulatinamente um “trem de doido”, uma “coisa louca”, uma “loucura”!

A doença licenciou a ousadia. Convidou a arte para bailar. Liberou os portões de temperamentos austeros. Conduziu a cantata das vozes severas. Beijou as entranhas com um calafrio clemente. Barbacena floresceu.

20 de abril de 2006

Maria das Telas


Plim!! Uma gota de tinta molhou com brilho a tela da menina Maria enquanto escorregava em nuvens brincando de voar rabiscando com dedo o vôo de uma borboleta na parede azul da casa na sala da avó. Tinha oito meses quando pintou belas montanhas e um sol confuso com sopa de feijão na camiseta da mãe. Maria nasceu para as telas assim como elas nasceram para ela.

Cresceu correndo longe da fumaça do cachimbo do senhor diretor da senhora escola onde menina senhorita estudava. Cheirava mansa enquanto levada, não copiava matéria, desenhava em folhas suas pinturinhas primeiras, iniciais. Quando mansinho inspirava aquele cheiro achocolatado de fumaça de cachimbo, Maria das Telas assentava assídua e atenta à espera do diretor. Nunca soube, mas desconfiou ser esta sempre uma tática, jamais uma distração.

Nos caminhos juvenis Maria foi borboleta serelepe, saltitante, sempre viva, borboleta artista! Pintadora autêntica dos intrínsecos da gente. Pintou tão assim que escorregou de quadros, ultrapassou molduras, varou céus e estrelas. Pintou gentes andando, praças da cidade com azulejos bonitos, fornilhos de vidas, olhos azuis pintados por asas de borboletas.

A cada ciclo renasce Maria. Menina faceira que brinca de quadros. Esquadrinha vidas em seu lápis raro, volta e meia escorrega. Telas que nasceram para Maria. Maria que nasceu para as Telas.

31 de março de 2006,

Carnes



Redemoinho confuso de gentes juntou povo nas ruas no arrebol no atol das rochas belas da praia de recifes coloridos mergulhando no ventre das pessoas servidas nas areias nas tendas das praias nas ruas direitas nos quartos e nos becos pessoas sendo bebidas em goles grandiosos de folia e paixão.

Alguns líquidos foram derramados em homenagem a orixás deuses hebreus vindos da babilônia ou das terras de lá para cá por onde só deus sabe. Junto a eles flores de vitória-régia foram empurradas nas águas de Amazônia. Junto a elas barcos laminados em papel foram atiçados com fogo como balões ao mar para alguma mãe de todos. Outros líquidos foram deglutidos em homenagem a Dionísios, Bacos, reis do samba, do congado, do frevo, do candombe.

Juntou mulata bamba com negro europeu e indiana nobre de família judaica mestiça com índios do Xingu. Rodopiou peão no caboclo inglês descendente de ouro português com sangue africano. Capoeiras do norte dançaram tango quase todos os dias no bloco do baião sertanejo de Minas Gerais.

Vendaval de destinos cruzados e enlaçados à vontade com carnes num festival de gentes mestiças de vidas truncadas e raízes mescladas de sangue de todos neste amontoado de povos que vive o mundo.

No final da terça-feira, alguém levantou um copinho branco de cachaça e disse: saúde!

03 de março de 2006

Faces da arte 1



trilhas de uma vida sem princípio de fim

crônicas da vida humana que cria... 01

- andarilho -

Aspirar rumores de vida para os pulmões da alma que poeticamente pede à vida rumores da alma por consolo dos que aspiram mais que viver. Vontade sã de consciência viva no mundo que de filosofia quase se estrangula por divagar com pés no chão. Crepúsculo misto de fé na crença do indizível, misterioso crer no aspirável sensível que não se avoluma aos olhos, ganância capital pela voracidade das incertas sensações para a abstrata, atraente e inalcançável palavra “alma”!

Clamar alívios límpidos para a própria, gulosa de caminhos truncados, sedenta de atalhos inabitados, caçadora dos desertos humanos abandonados. Guia cega que com tanta luz trespassa o óbvio e respira a pureza do adivinhável, do mundo sensível aos pulmões do cérebro e à certeza do coração que pulsa com ânsia de vomitar tanta paixão tecida em arte! Tanta dor tecida em arte! Tanta ausência tecida em medo e tanto medo fluindo arte!

Infernos que se vislumbram à sombra da existência de algum prometido céu. Santos pecados redimidos com água e palavras carnais. Aspirações de salvação, buscas por mais caminhos. A arte da vida é não cessar sequer quando acaba.

17 de fevereiro de 2006

No escuro do beco



Ouvi alguns estalos surdos na surdina da noite na moita escura da esquina de beco sem saída escondido entre latões de lixo suburbano no gueto do bairro de baixa classe que foi considerado marginal ao mundo durante o dia claro de sol flamejante da cidade alta que vence o mundo.

Enquanto eu passava quicou uma bola de papel jogada dos altos, das janelas trincadas dos gritos guardados dentro das casas e dos apartamentos apertados das vidas cotidianas. Chutei. A bola quicou três vezes em lugares distintos. Em cada um riscou o sujo de chão para a parte branca da folha-bola. A bola-folha branca começou a ganhar desenhos geométricos pretos intercalados com o branco do papel. Depois de sete chutes meus um menino apontou na entrada do beco e correu correndo rápido com fôlego de campeão e varou um chute na bola-folha que a fez voar, bater na parede, da parede na escada de emergência, desta à beira do latão e deste caiu quase planando para dentro da rede de lixos tecidos em gol. O menino foi o artilheiro do beco.

O beco emudeceu repentino e olhou para o menino que, ajoelhado com um braço erguido enquanto o outro estrangulava a gola da camisa rasgada, por glória ardia o frenesi do gol tabelado e rendia homenagens às paredes do beco.

Mudo, calado e neutro o beco agradeceu ao menino pelos segundos de leveza num dia de um mês da vida escura do mundo do beco. Ouvi alguns estalos de algodão no fundo do dentro do meio do azul celeste da alegria do beco. Era o silêncio bom que antecede um minuto de paz entre os que precisam vencer os dias para estar no mundo.

27 de janeiro de 2006

Nascer, verbo que renasce



E se o ano acabasse sem sombra ou sobra de meus passos pelo desavesso do mundo no instante em que o mundo recomeça virando de ano e parindo um novo rumo de trilha de recomeço? Penso somente que assim eu não haveria de poder ser o tal de andarilho que anda vagando por bandas perdidas desde sua invenção. Invenção criada em verso, prosa e poesia que se fez cantada e pedida em roda de viola de praça de interior de cidade curta e pequena por mais que demais. Pelas sobras do dentro de tudo que há no meu mundo eu caminho e recaminho pelas trilhas do fim deste dois mil e cinco que finda com estrela cadente entre morros no ventre de Minas.

E se não surgisse no peito esse desespero que me arrancou da cama e me fez pular de frente a papel, caneta e sonhos para dizer que ainda vivo estou muito aceso e louco pela vida que vai renascer entre amanhã e o novo ano? Já nem somente penso como apenas vivo clamando o calor dos dias, a ansiedade das noites, o vendaval dos suspiros, a inquietude do novo amor, o despertar dos anjos, o enlaçar dos abraços, o desejar das moças, a fúria dos jovens.

E se mais que demais fosse fraca a dor do peito que clama por tanta beleza na vida? E se mais que demais clamasse cada vez mais forte a dor do peito que anseia por vida, com beleza, com aspereza, com dureza ou realidade? Seria a prova dos mitos de fênix que renascem de cinzas e excomungam o mau agouro que encurralou a essência da vida plena dentro de algum cômodo mofado.

Mas então surgiu de novo a chama da vela da libertação entre o homem e o menino. No canto do peito brilhou a estrela juvenil da ingenuidade. Nos ramos do jardim nasceu pé de alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado. Com cantiga de ninar, com sonhos não escritos, com vida no ventre de umas minas de vida de gente bela... assim, sem menos ser por demais escasso, o que se diz andarilho andou mais e mais noites a dentro afora com as dores do mundo.

Renascer não é preciso, mas é, quase sempre, necessário. Feliz 2 mil e 6 a todos.

30 de dezembro de 2005

Viver, vício, virtude


Viver é um vício misterioso que consome pétalas da parte que possuímos com mais força: a essência. Começa como uma mania e se desenvolve por caminhos abertos pela primeira vez, como em todo vício, e de vez em vez, de dia em dia as semanas agarradas aos meses vão arrastando anos de um interminável ciclo do qual não se sai mais sem o fim.

Os caminhos dos dias. As trilhas indescritíveis dos eternos segundos de espera por qualquer coisa que possa não ser boa. Os resquícios do ano de importância da juventude que quase não sobram mais à memória. O vício consome tudo. Queima lentamente o fumo essencial do cachimbo que somos, fornilhos de vida com aroma variado e tons de cinza terroso.

Para exercitar a leitura das retinas que esfumaçam durante os dias e me aparecem durante a vida, eu comecei a tecer fumaça no fornilho de cachimbos. Senti a necessidade de desenvolver internamente uma mania que mais se aproximasse a um vício. Desenhado na cara de um defeito de conduta que se mascara de virtude nos estereótipos de senhores bem sucedidos ou com grande inteligência, como Sherlock Holmes ou até mesmo algum grande filósofo, ou então um homem, dentre os mais ricos, o de caráter mais humano.

Pensei controlar os passos. Mas fui ao espelho e vi um andarilho. Pensando controlar meu ar, meus ventos, quase cometi uma gafe contra o que sou. Perdi a razão completamente e não consegui controlar mais esta virtude de viciar. Viciei. Não em cachimbos. Em vidas. Fumo todas no cachimbo dos meus dias, no vício dos meus anos, na virtude da eternidade.

02 de dezembro de 2005

Morada ao pé da terra



Percebi que não havia nada. Olhos fechados, ouvidos calados, pés descalços e desnudos de caminho. Nada. Os fios de cabelos estavam despidos do vento orvalhado de uma noite que não houve. Os ombros, houvera o tempo em que necessários foram para um trabalho que já não há, há tempos. Nada. O nariz percebeu algo que se mexeu em meio a alguma coisa, e de repente, no meio do mato ouvi piado de dois mutum... piava que retumbava... tum tum tum.... Nada era já alguma coisa, mato era orquestra, selva era teatro e o mundo começou a se tecer.

No chão do mato dos mutuns havia areia muita que juntei em pedras esculpidas. Pedras que há milênios cantam a vida de sol em sol catando vento, tempestade e tudo o que há nas vidas das pedras. E permanência das horas assentadas no chão, encostadas nas montanhas, esperando o mundo ir sempre, e terno. Gritei calmamente e uma pedra me ouviu. Balbuciei bobeirinhas ribeirinhas e outra pedra se assanhou. Puxei uma flauta doce esculpida em bambu e percebi que as pedras todas dançavam para mim. Um ser errante sem rumo, sem destino e sem serventia acabara de virar um encantador de pedras!

A cantiga me fez pensar que se essa rua fosse minha eu haveria de mandar ladrilhar com pedrinhas... com pedrinhas bem cantantes para todo o amor passar. Abri minha casa de pedras cantantes e ofereci meus livros ao amor como tapete. Ele passou por cima de literatura, sabedoria, pudor e ego. Entrou e formou moradia. Abro as portas de minha casa: me instalei no mundo.

23 de setembro de 2005


Lágrimas desvairadas

“Andar é visto de pouso no mundo para quem vive, condição de eterna busca por resvalos de quem não se sacia do pôr-do-sol e ama beijar a lua despida do manto da noite. Este é o início de uma travessia, do meu desafio que é caminhar. A entrega total do desafio se encontra no não pertencimento que se é necessário para ser livre de dependências. O que redunda se confirma, se não for tautologia.”

Assim vieram as palavras adivinhadas que meu coração inventou há um ano atrás. Esta louca idéia de virar mambembe pelo mundo afora, ser bardo seresteiro amador da lua e dos versos me fez jardineiro. Quanta flor, quanto perfume pelo mundo achado nas almas acolhedoras visitadas. Quanta graça bela chegou a mim em forma de parabéns! Neste pequeno espaço coloquei o máximo de mensagens que me foi permitido, e cada qual com seu remetente. Meu pequeno gesto é este, meu imenso agradecimento a todos. Obrigado por tudo.

“Meu ANDARILHO...meu amigo louco errante...nesse ano de caminhada vc bateu à minha porta... me pediu a alma...e ela é sua...Como esmola? Não...preferi te dar de presente...presente de aniversário...Minha alma te acompanha por essas estradas incertas por natureza q nos mostras de maneira única e sem igual! ... ... ... Não consigo dizer mais nada...tua palavra já disse, já diz e dirá...só...obrigada!!!!PARABÉNS!!! PRA SEMPRE SUA AMIGA E FÃ, SUA IRMÃ DE CORAÇÃO E DE ALMA” – Idene Gutfraind

“É caboclo, o tempo passa, e pensar que outro dia mesmo você estava sendo concebido. Andarilho felicidades neste primeiro ano de existência houveram muitas, espero agora que os vindouros o façam tão bem quanto o primeiro. Muita literatura de boa qualidade pra você.” – Marco Aurélio de Melo

“Continue caminhando, mesmo que erroneamente....... pois, é sempre uma delicia compartilhar contigo suas caminhadas....... muitos anos de vida pra ti....... besos” – Fernanda Fartes

“Parabéns!!!! Q tenha sempre esse talento de escrever coisas tão lindas!!! Bjos!” – Renata Matos de Oliveira

“Parabéns e que tua caminhada seja repleta de sonhos e conquistas.
Beijos” – Roberta Muniz

“Teu destino está constantemente sob teu controle. Tu escolhes, recolhes, eleges, atrais, buscas,expulsas e modificas tudo aquilo que rodeia a tua existência.
Teus pensamentos e vontades são a chave de teus atos e atitudes.
Na tua jornada, vivencie... FELICIDADES...SUCESSO!!! Grande Beijo” – Letícia Monteiro

“Seja lá quem é vc...parabens, heheheheheheeh!” – Rodrigo Lourenço

“Andarilho, parabéns para vc, caro amigo louco errante!!! Espero que encontre muitos caminhos interessantes para seguir, e que consiga deixar para trás todos os obstáculos!!! Espero que hoje, você tenha um exelente dia regado de muito champagne!!!!” – Darlan Bergarmaschi

“Parabéns, Pleonástico `Ambulante Alienado Ignorante´” – Júlio Santarosa de Oliveira

“Parabéns Andarilho! Nem tanto pelo pseudo-aniversário, mas sim pelo mérito de manter vivas por tanto tempo estas interrogações e reticências que povoam a imaginação de muitos e instigam a curiosidade de tantos outros. Parabéns Andarilho!” – Marcelo Barreiros Furtado

“Parabéns!! Que esta sua vida continue por muito tempo e que você continue despertando sonhos e curiosidades na mente de todas as pessoas que conhecem o seu trabalho!! Grande abraço a ti!!” - Thiago Torres

"ELE É UM ANDARILHO. ELE TEM UM OLHAR CHEIO DE POESIA. DE SONS, DE TONS, DE SENTIMENTOS, AO VAGAR PELA MINHA ALMA ELE SEMPRE ME PARECE A LIBERDADE EM PENSAMENTOS. A PALAVRA HONRA SUA VIDA...E REENCANTA A MINHA ! Uauauh! Meu dia hoje foi LOUCO...e como eu ANDEI!!!...acho que foi em homenagem a ti, amigo !! RSS! Mas...desde bem cedinho já te enviei, direto do meu coração,o meu desejo mais sincero de que este "UM ANO" seja o início de uma eternidade através das gerações !!!! PARABÉNS , QUERIDO AMIGO e IRMÃO !!!!
CARACA!!! Quanta gente te ama, Andarilho!!! Eu também !!!!!!!! PARABÉNS!!!! #:0) Bjão!!!!!” – Idene Gutfraind

“Deves gracejar, visto que granjeaste a simpatia de centenas de pessoas e as fizeram acreditar em teu falso aniversário. Será que quando revelada a tua identidade as pessoas lhe atribuirão o mesmo crédito que alcançaste?” – Dieter Orempüller

19 de agosto de 2005



Um louco aniversariante


“O andarilho não doutrina, não dogmatiza, não prega. Nem sequer aprender o andarilho aprende. Caminha. Traça, trilha, vagueia, perambula, rodopia, cata cavaco. No final de cada ciclo regurgita suas estripulias de anjo torto; balbucia o que lhe parece ter vivido. Nunca conta a verdade estrita, mas apenas o pedaço que lhe coube lembrar.”

Tudo começou em um ponto único da caminhada de alguém que estava sempre a andar, e o ponto era: não se ter aonde chegar. Sem rumo ou placa que satisfizesse qualquer busca, esta criatura vagou pelos recantos das Minas, dos mundos, deste Brasil louco e errante a toda hora.

Saído do rumo dos trilhos há quase um ano exato, começo a cair dos festejos de aniversário em texto, em crônica, às vezes em verso de poeta mais seresteiro do que outra coisa qualquer. Varador de noite em prosa solta, violeiro cantador de mulher bonita, galanteador de noite e sedutor de lua.

Sem saber bem o que sou, e nem mesmo para quê sou, sei que fui por um ano um mendigo de almas. Sim. Mendigo. Pedinte. Esmolei atenção de tantos e tantas, clamei por ouvidos, por olhos, e agradeci cada sorriso, cada gesto, cada silêncio. Fiz serenata ao som de jazz com loucos, rezei procissões inteiras, sorri com mulheres carpideiras, joguei dama com senhor em praça. Vivi um ano vadio, devagar sem pressa, sempre andando, sempre vivo.

“Quem caminha com rumo decidido não anda nem busca, apenas chega. Ofício de andarilho é trilhar os labirintos visitados sem preocupar-se com os sinais ainda não adivinhados. A ordem é iniciar em direção aleatória e abusar de excessos. Simples como mirar pássaros no céu: eles estão sempre a voar desesperadamente desenhando rotas, criando caminhos. Duvido que caminhando eu ultrapasse algum excesso de velocidade. Duvido que voando eu me preocuparia com isso.”

Viver demanda tempo. Tempo se repete em ciclos. Nesta vida nossa, usamos contá-los em anos. Dia 17 completo o meu primeiro, graças a todas as visitas, a todos os leitores, a esta graça rústica que é escrever e manter um recanto para ser lido. Palmas então eu peço. Palmas e canções ao mundo e à vida, lugar e situação únicos que se permitem celebrar em poesia vulgar de boca de poeta que é torto por dever!

continua...

12 de agosto de 2005

O menino e o poeta


“Talvez eu não seja poeta.... talvez eu só traga no peito uma ferida aberta... que aperta... talvez eu seja apenas um romântico nesses dias de luta...”

Quando a música arrebata o peito, quando o conjunto de sons desencadeia o turbilhão da emoção, quando melodia e harmonia se juntam com bela voz e fazem ausentar a razão que sempre analisa... eis que acontece amor entre menino, poeta e eu, que escuto como se fosse uma criança de cinco anos encantado com a beleza de pipa e rabiola lutando contra as nuvens e o céu entre os raios do sol.

Os caminhos desta criatura que diz ser louco errante de mundos e desmundos me fizeram cair no que se dizia um ensaio de música. “Há ali um menino cantor e um poeta que chorou vida em alguma canção bela” – me disseram bocas amigas. Com o espírito de quem iria adentrar um bar de um beco qualquer para ouvir violão rasgado ou flauta suja, fui desarmado de encontro às luzes dos holofotes da alma de alguém.

Como disseram as bocas amigas lá encontrei um menino cantor e um poeta chorado pela vida. Num balé de música, poesia, poesia musicada e música de poeta. Cantaram dor do peito, feira com todas as verduras boas, homenagearam a dona do samba, fizeram música ao acaso, planejaram casamento, falaram da vida. Tudo isso, e me juraram ser esse todo um ensaio ainda apenas.

Este menino e este poeta não são parte da mente deste louco errante somente. São criaturas humanas que perambulam por esta Barbacena, e cantam e choram e riem. São Pablo Bertola, são Lido Loschi e são sempre um Ponto de Partida.

Da forma que eu podia deixei aqui minha pequena homenagem, deixei meu sorriso, deixei um pedaço feliz de mim.

Menino e poeta. Vida e arte que reascenderam alguns holofotes da minha alma.

02 de agosto de 2005



Noturnos

Mais uma noite furtada dos sonhos. Um momento de fresco silêncio banhado apenas ao que se quer. Melodias ou vinho, ou ambos. Talvez haja uma receita de paz eterna pros seres noturnos. Fadados a transmutar em noite os seus dias. Escapar de todo o mundo preferindo uma estranha alegria, a introspecção. Voltar o mundo pra si mesmos e aos cúmplices soturnos da noite adentro. Conjeturar explicações para a não aceitação do dia que por fato, não que seja um fardo, surgirá. Os noturnos compreendem e captam o essencial da criação, o oco pré-vindouro. O dia é muita vida demais com um sol só. A noite é o torpor no qual respiram os moribundos, os boêmios, os sacanas, os noturnos. É o sangue dos vampiros de mentes, que querem sugar tudo o que os cérebros são capazes de doar em manifestação expelida de concordância; o fluido dos impulsionadores de almas, que querem sentir auras de amor e exaustão, êxtase do cansaço da tentativa de desvairar. Não são malignos ou benfeitores os noturnos. Não são vistos, apenas existem. Assim não podem ser julgados; defeitos em perfeitos e invisíveis aos seus olhos. A noite é uma criança que brinca e não se cansa. Com brinquedos e brincadeiras a noite é o acalanto do amanhecer, a lua o ninar do sol, os noturnos os vadios a bailar. Criadores de estórias, inspiradores de sonhos, ciganos alados com espectros de cavalos medonhos. Chame-os como quiser, não os verá. Pode senti-los, imaginá-los ou... sê-los. Querê-los? Ilusão. Amá-los? Crença e fé, divagação. Pela noite todos os gatos são pardos. Os noturnos nada mais são que os gatos pardos da noite que barulham os telhados ou berram no combate pelo cio. Fazem bagunça pela madrugada, rasgam a noite em claro feito o lampião. Gritando pela rua afora, propagando devaneios, roubando silêncios alheios, renunciando ao sonho iminente de tentar solenemente ser apenas um poltrão... surgem os noturnos, acreditem vocês ou não!

22 de julho de 2005

A cidade das borboletas



Tiradentes...

a cidade das borboletas

Som de flautas transversais! Clarins! Alguns tambores ritmados fortes astutos! Cornetas! Cavalos! Entradas triunfantes! Tudo cabe muito bem numa entrada real dos contos da fantasia. Deixei o caminho do ar, voltei ao chão e andando acompanhado por vôo de borboletas cheguei ao belo lugar. Não houve todo o alvoroço dos contos, um violino singelo vibrava em sons melódicos convidando a entrar sobre o tapete de pedra desta airada cidade.

Neste conto de fadas borboletas e homem errante visitei a cidade humana e a fantástica. Vi a pequena histórica Tiradentes ser esculpida por pedras, vigas e sonhos carregados pelas fadinhas voadeiras. Paredes foram “flutuadas” do chão a quase o céu. Praças foram brincadeiras de roda feita por milhares de borboletas, coloridas, serelepes, faceiras, dengosas, meigas, determinadas.

Começaram a brincar de “pique-pega”, as danadas. Foi tanta “correria” pelos ventos de Tiradentes, tanta pressa e rapidez, tanto sorriso e beijo em muro que com sorrisos começaram a esculpir monumentos. As borboletinhas intelectuais anotaram o desenrolar dos dias numa brincadeira vivida como “história”. À noite, todas se reuniam para cantar cantigas de ninar. Uma tal borboleta branquinha, de bochechas rosadas, deitou-se ao meu lado e cochichou segredos ao meu ouvido.

Adormecido e acordado em sonhos de um conto real e fantástico, estava eu deitado em um banco de praça numa cidade quase fantasma, cheia de sonhos, repleta de glamour... parecia até uma cena de cinema.

08 de julho de 2005


...borboletas esvoaçaram vista, texto e sentimentos em uma

linda casinha de borboletas...

Começaram me arrastando até um trevo de uma histórica Tiradentes. Fui “borboleteando” acompanhado por uma linda borboleta princesinha, branquinha com bochechas rosadas sorrindo e me levando até uma casinha de borboletas....

Buscando tarde eu encontrei moças faceiras a voarem com par de asas belas, coloridas e mágicas. O rosado par de bochechas “me voaram” por caminhos maluquinhos, por ribeirinhos mínimos e devagares, por entre árvores falantes e cães literatos, por uma fábrica de tijolos esculpidos à unha de borboleta e algodão de nuvem. Paramos ribeirinhos para bebericarmos um cristal de água que adulava nossa sede. De carinhos na garganta a água esticou uma mão d’água e carinhou minhas narinas, fez borbulhas no céu da minha boca e me puxou pra um mergulho.

Adentrei uma caverna repleta de dentes de fada – nome que me lembrou um doce típico de Minas que precisa ser criado – dentes no teto, no chão, nas paredes e no ar. Fadas repletas de asas, cheias de saias completas de babados, rendas, meias três quartos, luvas lisas, cachinhos dourados, e mais asas de borboletas. Cavaram numa montanha uma caverna esbelta, grande e bela para dormirem as borboletas artesãs fabricantes de tijolos com algodão de nuvem. A borboleta alva de bolinhas rosas nas bochechas “me voou” para a beirada de lareira que aquecia o escurinho da noite fechada na caverna. E quanta magia! Imagine uma harpa toda em ouro, sem emendas, peça única esculpida por fadas sendo tocada por cento e cinco borboletas coloridas e cantantes! Acho que nem adormeci, foi só sonho vivido por toda a noite.

Enquanto o que parecia ser a noite chegava ao que parecia ser o fim, o que parecia escuridão começava a parecer ser dia. E as que pareciam pequenas fadas começaram a parecer borboletas-vaga-lume, carregando cada uma uma pequena fagulha de sol. Então em centenas alçaram um vôo inteiro rumo ao que parecia ser o céu. E o que era caverna e noite se fez sol e dia. E as que eram borboletas se fizeram voz de deus e cantaram para mim o amanhecer.

Continuei flutuando... – a é, esqueci de contar – ...enquanto o “sol” nascia eu fui desperto por um beijinho de borboleta junto aos cílios dos meus olhos. Despertei e lá estava minha linda princesinha borboleta, me chamando pra passear e conhecer a linda cidade das borboletas!

...continua

01 de julho de 2005

O caminho das borboletas


Em pleno sábado saí às trilhas para caçar a tarde. Busquei nos fiascos de raios do sol que passavam por ramos de capim serelepes, porém constantes como uma teia tecida num ouro fininho. O ouro do sol respingava algumas manchas rosadas no céu e nos meus olhos a olhar horizonte caçando entardecer.

Fui surpreendido! Enquanto os olhos vasculhavam as estradas um par de asas azuis com bolinhas amarelas pousou com o corpinho belo na ponta do meu nariz. Sem reações pasmei de corpo todo imóvel enquanto a beleza daquelas asas culminava com o encantamento que iniciou nos meus olhos.

O encantamento dominou os cílios e conquistou plenamente o par de iris que observava e exclamava beleza em brilhos lilases rabiscados pelo susto do azul com bolinhas amarelas nos olhos. Voou. Simples assim. Puf! Saltou ao ar e ganhou minha frente num balé de ares de princesa borboleta. Convidou-me e eu aceitei o passeio ofertado. Imaginei um princípio de entardecer...

Nesta pequena fábula visitei uma cidade histórica. A borboleta azul me guiou até o trevo de uma mineira Tiradentes. Quando avistado fui recebido pelas piruetas e bailados de uma certa borboletinha meiga, branquinha, de bochechas rosadas, com ar de menina faceira e senhora comportada. Não resisti, me apaixonei pelo gracejo e fomos dançando juntos até a cidade...

Nesta busca pela tarde e neste balé pelo caminho das borboletas cheguei a um lugar de histórias fantásticas que chamei de Cidade das Borboletas. Lugar tão belo e esvoaçante que resolvi contar calmamente na próxima semana...

...continua

17 de junho de 2005

Trilogia resolvida em fim de três atos. Um inexato, outro um pouco incoerente e este terceiro inigual. Parentes próximos de mesma descendência: alma de poeta que sofre por existir. Alma caminhante que existe e vaga pelo mundo, cambaleando nas esquinas, bebendo nos cabarés, rodopiando pelas ruas em madrugadas. Viver não é sofrer, é eterno vagar dançando valsa... sambando um lindo samba em três.

Inigual

Carrego comigo sempre um pedaço de solidão. Cantada em coro ou bebida em solo – quando melhor me acompanha ou quando eu melhor aprazo a ela. De certo modo a solidão me conforta, alimenta a loucura que em pormenores me unifica. Como louco me destaco da normal bestialidade. Do estar só em meio a muitos a intenção se faz dizer, é impossível rotular.

Vou vivendo só e louco, como a vida precisar. Dois em um no meu amor, que por momento se mostra neutro. O palco? Aguarda cada vez mais se estruturando entre pecados, riscos e confissões. O sol é a cortina, um brilho de olhar é compaixão pelo ator, a noite é o espetáculo, e o palco.... minha alma.

27, 05, 2005

Os passos que compuseram a trilogia:

primeiro – Inexato

Eu pretendo, ainda, estrear um palco. Vou brilhá-lo por idolatria da intenção do seu próprio espaço – fábrica geradora de sonhos e de calos. Vou construindo, aos poucos, este palco cá comigo, cá em mim.

O meu grande problema é que acho insuportavelmente difícil falar de palco e não citar cortinas, histórias, luzes e coxias. Esta é a arte metalingüística no ideal: falar e falar, como num ensaio, de um assunto no outro sem evidenciar-se tautológico ou não sincero.

Minha tautologia se esquiva na amiga e canastrona subjetividade. Esta irmã mais velha que no fundo me compreende e denuncia como a liquidez de meus olhos. Julgo-a tão traidora que a utilizo para ludibriar-me dizendo-vos meus mais íntimos pareceres de prazer. Minha raiva é que não a controlo. Cuspo-a no palco, que acaba se evidenciando. E olha que eu quase já não percebia sua permanência inerte de manufator de loucuras – estas que desafiarei no picadeiro a se inaugurar.

Vou criar um espaço para competir-me! A cada longo texto, um bloco desconcertado se alinha na boca-de-cena. E a cada espetáculo uma loucura saltitará do limiar da honestidade. Perfeito! De início, me falta explicar a loucura...

segundo – Incoerente

Loucura é um sutil limiar entre o que se há de melhor fazer e filosofia. Pois em meio a loucuras de amor, ousadias da vida, noites viradas e idéias falidas, existe a intenção realizada por alguém tido como louco por ter tido coragem de fazer mais que apenas pensar sobre. Um louco é alguém que amou tanto que fez amar, que fez amor.

A filosofia da loucura se encontra justamente no limiar que esta é. Região baldia que separa clara luz de dia de insanidade noturna. É o questionar da vida de certo e errado, bem e mal. É estar num campo liso e aberto, mas trancado – é acreditar num céu sem a existência de um diabo.

É este o louco milagre. Quando não se acha uma resposta esbarra-se em mais duas ou três perguntas. Por que esboçar o bem e o mal emprestando-lhes dois senhores à nossa semelhança? Para que filosofar utilizando a tão técnica filosofia? Sou eu apenas mais um louco? Graças a deus.... E isto é almejar satisfazer um tema.