segunda-feira, 12 de março de 2007

No escuro do beco



Ouvi alguns estalos surdos na surdina da noite na moita escura da esquina de beco sem saída escondido entre latões de lixo suburbano no gueto do bairro de baixa classe que foi considerado marginal ao mundo durante o dia claro de sol flamejante da cidade alta que vence o mundo.

Enquanto eu passava quicou uma bola de papel jogada dos altos, das janelas trincadas dos gritos guardados dentro das casas e dos apartamentos apertados das vidas cotidianas. Chutei. A bola quicou três vezes em lugares distintos. Em cada um riscou o sujo de chão para a parte branca da folha-bola. A bola-folha branca começou a ganhar desenhos geométricos pretos intercalados com o branco do papel. Depois de sete chutes meus um menino apontou na entrada do beco e correu correndo rápido com fôlego de campeão e varou um chute na bola-folha que a fez voar, bater na parede, da parede na escada de emergência, desta à beira do latão e deste caiu quase planando para dentro da rede de lixos tecidos em gol. O menino foi o artilheiro do beco.

O beco emudeceu repentino e olhou para o menino que, ajoelhado com um braço erguido enquanto o outro estrangulava a gola da camisa rasgada, por glória ardia o frenesi do gol tabelado e rendia homenagens às paredes do beco.

Mudo, calado e neutro o beco agradeceu ao menino pelos segundos de leveza num dia de um mês da vida escura do mundo do beco. Ouvi alguns estalos de algodão no fundo do dentro do meio do azul celeste da alegria do beco. Era o silêncio bom que antecede um minuto de paz entre os que precisam vencer os dias para estar no mundo.

27 de janeiro de 2006

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