segunda-feira, 12 de março de 2007

Morada ao pé da terra



Percebi que não havia nada. Olhos fechados, ouvidos calados, pés descalços e desnudos de caminho. Nada. Os fios de cabelos estavam despidos do vento orvalhado de uma noite que não houve. Os ombros, houvera o tempo em que necessários foram para um trabalho que já não há, há tempos. Nada. O nariz percebeu algo que se mexeu em meio a alguma coisa, e de repente, no meio do mato ouvi piado de dois mutum... piava que retumbava... tum tum tum.... Nada era já alguma coisa, mato era orquestra, selva era teatro e o mundo começou a se tecer.

No chão do mato dos mutuns havia areia muita que juntei em pedras esculpidas. Pedras que há milênios cantam a vida de sol em sol catando vento, tempestade e tudo o que há nas vidas das pedras. E permanência das horas assentadas no chão, encostadas nas montanhas, esperando o mundo ir sempre, e terno. Gritei calmamente e uma pedra me ouviu. Balbuciei bobeirinhas ribeirinhas e outra pedra se assanhou. Puxei uma flauta doce esculpida em bambu e percebi que as pedras todas dançavam para mim. Um ser errante sem rumo, sem destino e sem serventia acabara de virar um encantador de pedras!

A cantiga me fez pensar que se essa rua fosse minha eu haveria de mandar ladrilhar com pedrinhas... com pedrinhas bem cantantes para todo o amor passar. Abri minha casa de pedras cantantes e ofereci meus livros ao amor como tapete. Ele passou por cima de literatura, sabedoria, pudor e ego. Entrou e formou moradia. Abro as portas de minha casa: me instalei no mundo.

23 de setembro de 2005


Nenhum comentário: