segunda-feira, 12 de março de 2007

Caixinha de música

As bailarinas bonequinhas dançando nas janelas da grande casa-caixa ressonando em plena tarde notas de sol, sorriso e luz. A caixa com janelas que é de música tocada por todas as mãos e todas as cordas; lacrimejada por todos os metais; comprimida pelos sopros; rasurada pelos tamborins... escapou por uma fina linha melódica e mergulhou nos meus ouvidos. Sonhei...

Uma menina pequena vestida de branco vestido sentada ao centro de uma rica sala de piano. Caixinha cor-de-madeira nas mãos. No piano partituras rabiscando o amor musical da alma de um poeta. E nesses sonhos há sempre um pequeno cachorro bege com pêlos embaraçados para dar graça e história ao sonho começado. Há sempre música regendo um fundo de glamour para os que apreciam as artes melódicas. A pequena menina honrou seu papel e abriu a caixa. Saiu samba. Como se de todos os carnavais e de todos os violões. Samba-rasgado, samba-canção, bossa nova dos tempos novos da velha mpb. Mulatos saltimbancos requebrados bailarinos bailando em bamba corda dos blocos europeus. Gente da terra, gente bamba. Bailarinas da caixinha de samba.

Transpus a parede da direita e dei-me no início do parágrafo anterior. Com a menina, uma caixinha e um cachorro meio desajeitado. Aberta a caixinha improvisaram um jazz. Clássico. Sax, baixo e bateria conduziram meu sonho para as teclas do piano da sala rica. Não sonhara até então com os músicos, que pareciam pertencer ao quarto como um quadro ou um candelabro. Eu era o bailarino boneco pianista. Corria pelas teclas, saltava pelos sustenidos, desarranjava a teoria da pauta com uma travessura musical. Acabei improvisando uma dança em cima do rico piano. Tango, bolero e umbigada. Dança sonhada como valsa em carnaval.

Sem voltar o texto pulei para outro quarto e do jazz para o choro. Flutuaram claves, pisei em pautas e caí neste quarto-parágrafo. Apenas a menina e a caixa. Da caixinha saiu um coral de anjos reverberando vozes até o corredor. Ecos de uma casa sem porta de saída. Acústica de um sonho com cores de casa musical. Os quartos, as gavetas desta caixinha que brinda música no sonho com bonecas que bailam inertes sobre si o rodopio da certeza desta toda loucura.

Abri a porta da casa-caixa das bonequinhas bailarinas. Iniciei o esgotamento do verbo cantar. Cantei melodia minimalista dando eixo fixo para toda e cada boneca. Cada boneca em cada janela criando sons e ritmando o mundo. É uma imagem linda pra me fazer sonhar!

Andarilho, 08-10-2004

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