segunda-feira, 12 de março de 2007

O poeta tem olhar



O poeta está precisando de sutilezas para o olhar. Uns olhos minguados com alguma aspereza de vida assentaram lá no fundo por debaixo da íris e há algumas horas balançam lentamente a cabeça cabisbaixa para lado e para outro. Descordam do que há ali, logo na frente. Pasmado ao palmo de distância do necessário para ver o ali quase da verdade.

O poeta precisa querer rumos brincantes para os minutos que vêm a seguir da aurora. Faz um desanimado acordar todos os dias chorando saudade da meia madrugada por onde vivia e transbordava a alma de leituras, escritos, músicas ouvidas, filmes para dentro vistos. Repassava o sabor da névoa com o perfume das damas-da-noite em histórias criadas para pensar em vampiros e anjos.

O poeta precisa de algo mais do que o que tem. Infelizmente até ele segue esta sina de carregar o fardo da insatisfação. Está todo cansado do que possui. Está exausto do que pensou que é. Só se sabe poeta para as palavras que possui, pois haja visto as que não tem jamais há de. Não se preocupa com isto. Suas palavras são o dicionário que lhe narra.

O poeta anda precisado de palavras no olho. Do jeito de dizer sentido que havia antes do foco da retina. Do jeito bandido de roubar a palavra antes da boca dizer. Do desejo de adivinhar os desejos que adivinhava sempre quando cúmplice sincero. Continua curando saudade com abraço de lápis em corpo de letra em casa de papel.

O poeta quer abraços gentis ao olho ingênuo. Afagos de amantes à tempera de homem. Delírios suados nos corpos que derretem. O poeta quer o querer a ele e bem e muito. O poeta quer, o poeta precisa.

O poeta quer crer que alguém além dele, de todo o jeito e com toda certeza, acredita. Perdido anda pelas crenças. Não quer mais contar com a chegada de gnomos. O poeta está precisando de sutilezas.

12 de maio de 2006

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